Giulliana Bianconi
Ashoka Elected in 2022   |   Brazil

Giulliana Bianconi

Gênero e Número
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As desigualdades de gênero estão sendo reforçadas no Brasil pela falta de informação, discussão e cobertura adequada da imprensa, bem como desinformação desenfreada. Giulliana co-fundou a primeira…
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Because of the pandemic, Giulliana Bianconi was selected by Ashoka as a Special Relationship (Virtual) using an online process.

Introdução

As desigualdades de gênero estão sendo reforçadas no Brasil pela falta de informação, discussão e cobertura adequada da imprensa, bem como desinformação desenfreada. Giulliana co-fundou a primeira organização no Brasil a mudar o debate e as narrativas sobre gênero usando dados transformados em narrativas simples, criativas e atraentes para um público diversificado. Além de abrir espaço para uma discussão mais atenciosa na sociedade envolvendo setores públicos, privados e sociais, ela está criando uma rede de parceiros que estão fazendo pesquisas originais em campos nos quais dados relevantes não estão sempre disponíveis.

A nova ideia

A falta ou indisponibilidade de dados sobre gênero, aliadas à falta de coleta de dados, análises e apresentação dedicadas, dificulta a percepção das desigualdades sociais no Brasil, assim como a construção de ações e políticas de enfrentamento a essas desigualdades. Sem uma pesquisa financiada por filantropos, por exemplo, os formuladores de políticas não saberiam que a fome está presente em 11% dos domicílios chefiados por mulheres, em comparação com 7% nos domicílios chefiados por homens; ou que a fome está presente em 10,7% dos domicílios chefiado por negros, em comparação com apenas 7,5% dos domicílios chefiado por pessoas brancas.

Identificando esses obstáculos, Giulliana co-fundou a Gênero e Número (Gn) em 2016 para promover o uso de dados sobre mulheres, mulheres negras e questões LGBTQIA+ transformadas em visualizações criativas, simples e poderosas por um movimento crescente de jornalistas, meios de comunicação, funcionários públicos, líderes empresariais e organizações da sociedade civil comprometidas em progredir na justiça social. Com base em informações impactantes e consistentes, o conteúdo é distribuído através de uma variedade de formas usando linguagem acessível que permitiu que o conteúdo fosse amplamente reproduzido e servido como referência para a formulação e propostas de projetos de lei nacionais de direitos de gênero. Como a informação é baseada em fatos, hoje a produção da Gn ultrapassa fronteiras e se conecta com uma ampla gama de públicos, variando de jornais conservadores a redes populares.

Para desbloquear o poder transformador social do setor empresarial, Giulliana lançou recentemente uma ferramenta para gestores e líderes, o Hub Gn, que gera diagnósticos e relatórios sobre cenários de gênero e raça para auxiliar no treinamento das equipes e aprofundar políticas de compliance em direção à diversidade. Em busca de mudanças no campo, Giulliana vem contribuindo com a formação de jornalistas, participando de cursos promovidos por organizações da sociedade civil ou por universidades, recebendo e contratando jovens jornalistas na Gênero e Número e mantendo canal de diálogo aberto junto a outras organizações do campo de mídia e dos nativos digitais, como a ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a AJOR (Associação de Jornalismo Digital). No futuro, Giulliana busca trabalhar de forma mais sistemática com organizações de mídia latino-americanas, para ampliar o escopo de reportagens, bem como visualizações relevantes de dados da América Latina, como violência contra mulheres e representação feminina na política.

O problema

As eleições brasileiras de 2018 foram acompanhadas por um aumento dos ataques de ódio contra pessoas LGBTQIA+, fenômeno legitimado pela eleição do atual presidente, Jair Bolsonaro. A pesquisa feita como parte do Projeto Reino Sagrado da Desinformação, traz evidências de que o discurso de ódio, também dirigido contra mulheres e negros, é apoiado por algumas instituições religiosas que o impulsionaram para a política. Essas visões odiosas têm graves consequências: o Transgender Europe World Report mostra que de todos os assassinatos de transgêneros registrados em 71 países em 2016 e 2017, um total de 52% ocorreu no Brasil.

Os desafios enfrentados por esses grupos no Brasil, no entanto, não estão bem documentados e a falta de transparência está prejudicando a implementação de soluções. Os dados oficiais LGBTQIA+ nunca foram coletados por instituições governamentais. Recentemente, o governo federal reduziu o orçamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, principal órgão de pesquisa do país) tão baixo que não seria capaz de realizar um censo demográfico, normalmente implementado a cada 10 anos. Embora a decisão tenha sido revertida pelo STF após pressão popular, ainda não está claro quanto o censo terá que ser redimensionado para se adequar ao orçamento reduzido em 2022.

Para piorar o cenário, o Brasil caiu quatro posições no ranking de liberdade de imprensa. De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil ocupa agora a 111ª posição e entrou para a 'zona vermelha' pela primeira vez em 20 anos. Sem informações confiáveis e acessíveis, os legisladores não podem propor novos projetos de lei razoáveis para seus eleitores. As organizações do setor cidadão, por sua vez, não são capazes de engajar a sociedade e justificar suas iniciativas e os líderes empresariais não têm evidências para superar gargalos raciais e de gênero.

Apesar do número de canais e ferramentas de comunicação, as novas tecnologias podem facilmente reforçar preconceitos, pois espalham informações que reforçam percepções, valores e atitudes, dificultando o acesso a uma cobertura diversificada que amplie a sua visão de mundo das pessoas. Essa mistura de frágeis coberturas de dados sobre questões enfrentadas por mulheres, LGBTQIA+ e pessoas negras, ataques contra uma imprensa livre e dificuldade em disseminar informações entre grupos que pensam diferente torna ainda mais relevante coletar dados independentes, aumentar a capacidade de mobilização do setor cidadão e melhorar o trabalho dos tomadores de decisão públicos.

A estratégia

Para melhorar a justiça social para as mulheres e as comunidades LGBTQIA+ no Brasil, Giulliana dissemina dados relevantes transformados em narrativas criativas capazes de comunicar diversos níveis de informações com consistência por meio de histórias visuais, infográficos interativos e tecnologia. Ao mudar a forma como os dados são apresentados e disponibilizados, Gênero & Número (Gn, organização fundada por Giulliana em 2016) consegue expandir o alcance dos dados, informando e interagindo com um público diversificado. Giulliana usa a transparência para construir redes de confiança com legisladores, imprensa e instituições do setor cidadão capazes de avançar em questões de gênero. O conteúdo é compartilhado através de plataformas digitais com linguagem acessível, sempre sob uma licença aberta para ser reproduzido amplamente, e fornece acesso ao conteúdo para 40.000 a 90.000 usuários por mês.

Com a imprensa como aliada, a Gn aumentou a qualidade da cobertura sobre gênero e questões raciais. O conteúdo agora atinge um público mais amplo, e a Gn mantém-se em constante diálogo com jornalistas, redes e organizações cívicas que lidam com a democratização da comunicação. Também constrói parcerias para produzir dados quando estes não estão disponíveis e, ao implementar essas estratégias, está abrindo espaço para tornar visíveis questões que ninguém havia notado ou quantificado com precisão antes.

Sabendo que os legisladores precisam ter informações precisas e críveis para formular projetos de lei e se justificar aos seus eleitores, e que as mulheres não são representadas na política brasileira, um elemento fundamental da estratégia de Giulliana é influenciar a formulação de políticas. A Gn realiza eventos como o 'Diálogo de Gênero & Números' que conta com painéis compostos por parlamentares, jornalistas e pesquisadores para incentivar o diálogo e soluções. Após os eventos, a Gn baseia-se nessas relações, fornecendo conteúdo diário aos participantes por meio de entrevistas com gestores públicos comprometidos com uma agenda de justiça social, apresentando estudos relevantes e visualizações de dados e enviando dados conectados a situações urgentes a todos os membros do Congresso. Monica Benício, viúva da vereadora assassinada Marielle Franco, por exemplo, é uma vereadora que usa constantemente estatísticas da Gn, análise multivariada e previsão de elaborar projetos de lei que promovem direitos de gênero. Recentemente, ela propôs e aprovou uma legislação para criar o "Dia da Visibilidade Lésbica", citando a pesquisa da Gn como uma ferramenta crítica.

Em colaboração com organizações da sociedade civil, a Gn reforça sua capacidade de mostrar questões relevantes e engajar comunidades. Informações inéditas sobre a pandemia da Covid-19 e seu impacto na vida de mulheres, pessoas negras e comunidades LGBTQIA+ foram coletadas pela Gn com a participação do DataLabe da Redes da Maré (instituição Ashoka Fellow). As informações coletadas foram utilizadas em mais de 50 publicações e foram utilizadas para alertar as autoridades, mobilizar a população em geral e orientar políticas públicas para mitigar os efeitos negativos da pandemia sobre populações vulneráveis. Para promover mudanças no setor privado, a Gn lançou recentemente o Hub GN: uma ferramenta que traz toda a expertise da Gn para apoiar o treinamento da equipe e do compliance para melhoria das políticas das empresas em direção à diversidade, gerando diagnósticos e relatórios internos de gênero e raça.

A capacidade de lidar com uma série diversificada de atores, e a credibilidade adquirida a partir dessas interações, permitiu que Giulliana abordasse questões sensíveis, como influência religiosa em ataques de ódio de gênero e desinformação, e dialogasse com pessoas que não estão acostumadas a falar sobre gênero e assuntos raciais. Em 2019, a Gn lançou o Projeto Reino Sagrado da Desinformação, que combina pesquisa aplicada e análise de rede para explicar o fenômeno da ideologia de gênero no Brasil, levando em conta as conexões entre mídia, igreja e política nos últimos 30 anos no país. O projeto permitiu que influenciadores abordassem essa questão delicada de forma fundamentada e convincente, aumentando a qualidade da cobertura com mais de 500 reportagens jornalísticas. A Gn também realizou eventos baseados no projeto, por exemplo, para altos cargos militares com a apresentação de dados de gênero que permitem que esse público se aproxime do assunto sob uma perspectiva diferente.

Em 2022, a Gn fará uma cobertura política com lente de gênero que fornece informações sobre subrepresentação feminina na política, a fim de tornar o problema visível para a sociedade e liderança cívica. Com uma visão de longo prazo, uma das estratégias de Giulliana é a formação de estudantes de jornalismo. Para ela, é essencial trabalhar com novos paradigmas e abordagens desde cedo. Uma perspectiva futura é trabalhar em colaboração com atores da América Latina para ampliar o escopo da reportagem, bem como temas comuns.

A pessoa

O irmão mais velho de Giulliana foi diagnosticado com autismo desde cedo, um diagnóstico que não era comumente feito e compreendido na comunidade onde ela e seu irmão cresceram. Sua mãe dedicou sua vida para criar o irmão de Giulliana com respeito e o integrou à comunidade. Como resultado, Giulliana sempre abraçou a diversidade como parte de sua vida sob os cuidados das mulheres da família que lhe ensinaram que ela poderia fazer e ser o que quisesse. Sua educação formal ocorreu em uma escola fundada por um grupo de professores liderados por Paulo Freire, que defendiam que a educação fosse usada para desenvolver pensadores "críticos e humanizados". Esse ambiente educacional foi fundamental para formar as primeiras experiências de Giulliana, incluindo ser eleita líder representativa estudantil.

Foi nesses espaços que ela enraizou seus valores e começou a promover iniciativas sociais. Giulliana entendeu que não seria possível construir justiça social sem vozes diversas e ação local. Ela escolheu o jornalismo para "tornar conhecidas histórias desconhecidas", abrindo espaços para a sociedade para visualizar todos os grupos de pessoas com seus desafios e suas potencialidades e promovendo uma interação saudável. No Diário de Pernambuco, teve sua primeira formação prática com a única editora-chefe de esportes do Nordeste que estimulou seu crescimento profissional. Atuou como consultora de comunicação em organizações voltadas para o investimento social privado, como o Instituto Claro e fundação Telefônica. Foi com Priscila Gonsales (uma Ashoka Fellow) que Giulliana aprendeu mais sobre o poder de um empreendedor usando tecnologia para promover a educação. Por meio do Educadigital, Priscila estava transformando a educação ao revitalizar os recursos pedagógicos existentes para promover a reflexão e não apenas o consumo de conteúdo. Giulliana se interessou mais pelo terceiro setor e contribuiu para a iniciativa de criar conteúdo na intersecção entre educação e tecnologia.

Em 2014, ela quis explorar o potencial do uso de dados e tecnologia para promover o engajamento cívico e começou a pesquisar experiências internacionais relacionadas às transparências de contas públicas e processos colaborativos. Giulliana viu que o potencial era real e numa viagem a Londres teve a oportunidade de fazer um curso rápido no The Guardian sobre visualização de dados. Inspirada a desenvolver a ideia que se tornaria a Gênero e Número, Giulliana voltou ao Brasil. Sempre capaz de reunir parceiros, ela co-fundou a Gn em 2016. Desde então, dedica-se a fortalecer a instituição com gestão organizacional que prioriza o capital humano e é pautada pela diversidade e pela compreensão de que o jornalismo precisa ser plural em todas as suas etapas.